O descubra-o-estereótipo nem estava ligado desta vez. Há alturas em que o tenho que pôr em stand-by, alturas essas em que normalmente estou muito bem-disposta e num humor de ver tudo o que há de bom nas coisas, de dar o desconto, como se costuma dizer. Ou então alturas em que o D. me começa a lançar olhares exasperados, ou a levantar os olhos ao céu numa atitude de quem pede largas doses de paciência aos anjinhos, que isto de se ter metido com uma feminista cujo passatempo favorito é vociferar contra a televisão (eu não era assim quando ele me conheceu, coitado), não é fácil e "Deixa lá ver o filme em paz...!". Aí eu respiro fundo e rodo o botão para "stand-by", limitando-me apenas a uns ares de enfado e a um ou outro revirar de olhos. Já é palpável a dose de embaraço e culpa do homem quando aparece nudez gratuita de mulherio nos filmes - particularmente comédias, aí ela é quase sempre gratuita (e sim, revolta-me apenas a que não serve nenhum propósito na história; sou contra a objetificação da mulher, não sou púdica) - portanto sei que de vez em quando tenho que me controlar. Para bem da minha saúde mental, também, e para continuar a conseguir ver filmes e televisão.
Dizia eu que desta vez o descubra-o-esterótipo estava apenas em stand-by. O filme em questão tinha um título meio aleatório e cómico, a frase que o recomendava prometia uma história engraçada e parecia-me que vinha de fora da máquina hollywoodesca. A introdução no artigo da Wikipédia: "Seven Psycopaths is a 2012 British black comedy..." (que só vi agora, devo dizer) faz antever que o humor que encerra não é habitual.
Sem querer entrar em spoilers, basicamente é a história de um escritor que está a escrever um policial sobre 7 psicopatas (mas que não quer que o livro seja violento) e cujas linhas de enredo de cada personagem se vão desenvolvendo e cruzando com a vida real do escritor. Há uma altura em que dois amigos dele, que se dedicam a roubar cães para uns dias depois os irem entregar e receberem a recompensa dos donos, roubam o shih tzu de um mafioso qualquer e aquilo depois não corre muito bem. É mesmo muito boa a história, as personagens e o passo do filme, que é rápido e com muita coisa a acontecer ao mesmo tempo, o que resulta muito bem para comédia. Cada psicopata tem os seus próprios quirks e afetações que os tornam complexamente cómicos, e lembro-me por exemplo de um que andava sempre com um coelho branco ao colo, e que uma vez gritou ao escritor "Achas que eu estou a brincar??!! É porque tenho sempre um coelho branco, não é, ninguém me leva a sério!!" e eu desatei a rir até ficar sem ar porque, convenhamos, psicopata que é psicopata não afaga coelhos. Ainda por cima brancos, que coisa mais fofinha conseguia ele ir buscar.
É um filme que é impossível adivinhar para onde vai a seguir e muito menos como vai acabar. Não há template nenhum que se afigure por detrás do enredo já que nunca se viu nada assim antes. São os meus preferidos, estes. Nem há o tão comum "dois finais possíveis" que normalmente acontece quando o filme é bem conseguido mas uma pessoa sabe que ou será uma coisa ou outra, não há muito por onde fugir. Aqui nem sequer seria o "o cão é devolvido / o cão não é devolvido" porque a história é bem mais densa e cheia de torpelias do que merece ser reduzida nesses termos. É filme dos bons, portanto, e comédia honestamente original.
Ainda assim, o que tem este filme de feminista para merecer figurar no "Media, é assim mesmo"? Em sete personagens no cartaz, só duas são mulheres, onde está a originalidade neste campo? A resposta é uma cena de 15 ou 20 segundos, mas que me fez rir a bandeiras despregadas pelo brilhantismo puro e tão atirado ao acaso:
"As tuas personagens femininas são terríveis."
"Nenhuma delas tem algo a dizer em sua defesa."
"E a maior parte delas ou leva um tiro"
"ou é esfaqueada até à morte em cinco minutos."
"E as que não são provavelmente vão ser mais para a frente."
"Bom..."
"É um mundo difícil para as mulheres. Sabes?"
"Sim, é um mundo difícil para as mulheres,"
"mas a maior parte das que eu conheço consegue articular uma frase."
Isto é tão cómico porque aborda a questão da representação das mulheres nos filmes em geral de forma tão acutilantemente irónica, extrapola a cena onde é dita, o próprio filme, e é uma punhalada na clichézeda humorística que abunda por aí. Pareceu-me suficiente para vir parar ao "Media, é assim mesmo". Um filme não tem que ter todas as personagens principais no feminino nem versar só sobre as relações entre elas para merecer um lugar aqui. Se bem que, sabe deus o quão raro isso é. E, a sério, a originalidade do enredo e das piadas não as consigo recomendar demais.
S.
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