Fiquei um bocado triste quando ouvi no telejornal português que hoje, Dia Europeu Sem Carros, em Lisboa havia mais carros do que em anos anteriores. Que a tradição já não é o que era, e várias entrevistas a ciclistas desiludidos por verem que a circulação dos carros se mantinha igual aos outros dias do ano. Eu tinha acabado de vir de uma corrida por uma das artérias mais movimentadas de Bruxelas e fiz o caminho quase todo no meio da estrada, sem necessidade de parar em semáforos (a minha velocidade média agradece) e tinha tido como única preocupação desviar-me de vez em quando de uma bicicleta mais desgovernada. Por isso fiquei triste que em Lisboa não fosse o caso.
Esta foi apenas a segunda vez que o vivi mas já se tornou facilmente no meu dia preferido do ano. Ao contrário do ano passado, que nem estava a contar com ele, nem sabia o que era, desta vez esperava ansiosamente este penúltimo domingo de setembro porque já sabia o que aí vinha: uma cidade completamente transformada a muitos níveis. Um silêncio impensável (só nos apercebemos do barulho constante dos carros quando ele desaparece), um ar bem mais puro (fizeram análises em vários pontos da cidade o ano passado neste dia e foi incrível a diferença dos níveis de poluição no DESC comparativamente ao normal), uma alegria contagiante nas ruas. Em Bruxelas, é proibido carros circularem neste dia dentro da cidade. Apenas carros da polícia, ambulâncias, táxis, autocarros e trams percorrem as estradas. É possível obter uma autorização para andar de carro no DESC, mas a justificação tem que ser mesmo muito boa, e a circulação só pode ser feita para essa coisa em especial. Aqui não estão com voluntarismos nem à espera que sentidos cívicos maiores se levantem: é dia sem carros, é proibido circulá-los e ponto final.
Há-de haver muitos resmungos, não duvido, mas para a vasta maioria das pessoas compensa. E se compensa! Nunca vi tanta bicicleta junta na minha vida nem tanta gente a usufruir das ruas da cidade. A Avenue Louise parecia uma parte da Volta à Bélgica em Bicicleta, tal era a quantidade de ciclistas a dominar a estrada. Centenas e centenas de pessoas a pedalar, a caminhar, a andar de patins-em-linha, de trotinete, de skate. Mas um silêncio anormal numa avenida tão movimentada. A cidade parece um parque gigante. Estivemos meia hora sentados num café mesmo à beira de um semáforo a observar e vi a quantidade de bicicletas mais diversa da vida. A cada semáforo vermelho, era ver umas vinte bicicletas a agrupar à espera da luz verde. E ali ficámos nós a admirar as fornadas constantes de bicicletas a chegar e mais uns quantos transportes estranhos que normalmente só podem ver a luz do dia em parques construídos para o efeito.
Não me lembro de isto no ano passado ter sido assim, apesar de ter estado mais calor do que hoje. Talvez haja cada vez mais gente a aderir a este dia, e, espera-se porque afinal é essa a intenção, a largar de vez o carro no seu commuting diário dentro da cidade. O Dia Europeu Sem Carros aqui em Bruxelas mostra tudo o que uma cidade poderia (poderá?) ser, se se tirar aos motores a primazia que infelizmente ainda detêm. A imagem é maravilhosa, bem real neste dia, ainda que utópica nos outros 364.
S.
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