quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Dores de crescimento

Dei-me agora conta de que faz hoje dois anos que chegámos à Bélgica.

O que são dois anos numa vida? Nada. 

Continuo a sentir-me tão criança quanto quando aqui cheguei. Continuo com a leve sensação de que não faço ideia do que estou a fazer, nem do que devo fazer, e, às vezes, nem do que gostava de fazer. Sei, tão claro como a água (mas não a que sai das torneiras bruxelenses) que daqui a quatro meses vou-me embora daqui sem saber se estou a fazer a coisa certa. E o pior: provavelmente nunca vou saber. E isto é horrível. Eu cresci convencida de que os adultos sabiam sempre o que estavam a fazer e o que deviam fazer. Esta liberdade e múltiplas opções de escolha é humanizante mas paradoxalmente claustrofóbica. Nunca vamos saber se tomámos a decisão certa e haverá sempre tantas pessoas a enveredar por caminhos diferentes que nos farão questionar o nosso. É o ter que fazer uma escolha e viver com o "e se" de todas as outras que recusámos. Suficiente para uma pessoa dar em doida.

Haverá sempre alguém a fazer o mesmo que tu, melhor do que tu.

A única frase que me regula as perspetivas e acalma as ânsias, embora eu não consiga explicar porquê. A perspetiva de que há sempre alguém melhor do que nós só deveria era potenciar essas ânsias. Estranhamente, acalma-me a necessidade de querer ser melhor, de querer mais, de saber mais e de estar agudamente consciente de que sou a única responsável nisto tudo. Do ser melhor. É capaz de ser na lógica do "perdido por cem, perdido por mil", do fuck all para isto tudo.

Espero é entretanto não ter ficado a gostar da Bélgica afinal.






S.



14 comentários:

  1. Penso nisso tantas vezes... A quantidade de escolhas possíveis assusta-me horrivelmente. No entanto é essa mesma infinitamente imensa quantidade de escolhas que me leva a pensar: "que se foda".

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  2. Exato, é uma estratégia de sobrevivência. Ninguém consegue viver a pensar permanentemente no "o que poderia ter sido se..."

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  3. É ir seguindo caminho. A incerteza, a dúvida impulsionam-nos e vai- se fazendo caminho.
    A vida e as mudanças são como aqueles filmes que só mesmo, mesmo no finalzinho é que entendemos o impacto daquele momento/daquela cena.
    Escolhas certas ou erradas? Enfim, as escolhas possíveis.
    O lado bom desta incerteza é que podemos sempre emendar a mão.

    Estou a dizer isto até para me auto-convencer:)
    Vivi dois anos exigentes em Africa e estou a deliciar-me no Inverno Europeu. E o que passa pela minha cabeça?
    O regresso a Africa mas já preparando um retorno à Europa...No final...tudo se sentende e se explica!

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  4. A incerteza é para mim a coisa mais bizarra nisto de ser adulto. Eu estava mesmo convencida que o pessoal crescido tinha mais ou menos o caminho escolhido e zero crises existenciais. Extremamente ingénuo da minha parte mas era isto que eu invejava quando era pequenita.

    Isto de não ter nada nem ninguém que me possa dizer "vai por ali" é desarmante. E haver vários caminhos que seriam certos, que provavelmente me fariam feliz, mas ainda assim ter que escolher um, porque é mesmo assim a vida.

    Mas é como dizes, haja verdadeira vontade e podemos sempre emendar a mão. Que é diferente de arrepiar caminho, porque também já percebi que mesmo voltando ao mesmo sítio, não se voltará a mesma pessoa. E isso não será necessariamente mau.

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  5. Eram tempos felizes e ingénuos quando tinhamos os pais na liderança - eles sabiam seeeeeempre tudo.
    Será que sabiam sempre tudo?
    Acho que eles mesmo se agigantavam para nos transmitir as certezas e segurnaças.

    Neste moemnto, atingi um patamar diferente na vida:a inversão do paradigma...Tenho pais já reformados, mas ainda muito activos e de cabeça boa. E agora são eles que me consultam para opiniões e para as mais incriveis coisas( desde ler contratos a preencher IRS:)

    Os meus pais e os gadgets proporcionam das histórias mais deliciosas que eu tenho.
    Um dia, a minha Mãe aflita com problemas no pc, queria "consultas" à distancia. Pedi-lhe para fazer um print screen. Como não sabia fazer isso..não se atrapalhou e tirou uma foto ao monitor do pc e enviou-ma por mail(isso ela sabia fazer porque é imperioso para partilhar fotos com os netos:)
    Melhor do que isso...só a minha Mãe a navegar por essa net fora para descobrir transmissões live dos diferentes santuários marianos por esse mundo fora:)

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  6. Então?
    Faças o que fizeres, há-de haver sempre alguém a fazer pior que tu. E não deixa de ser razão para tentar fazer melhor.
    Quanto às decisões, a melhor decisão é a que se toma em consciência depois de analisada toda a informação disponível. Ninguém adivinha o futuro, e olhando para trás também nunca saberemos se, tivéssemos decidido de outra maneira, o efeito que isso teria tido no resto da nossa vida.

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  7. snowgaze, o pior é quando há mais do que uma opção que à partida parece boa e temos que decidir por uma delas. Como se escolhe? Ir pelo que mais queremos é inseguro porque o "querer" é uma coisa tão fugidia... Tenho aprendido isso às minhas custas.
    Porque outra coisa ligada a isto é que eu julgava também que se podia ser tudo e ter tudo o que se quisesse (não estou a falar de coisas, claro, falo de ter a família ao pé, ter Londres, ter Lisboa, ter filhos, ter tempo para dormir, ter aulas de alemão, ter treinos de corrida). Isto parece uma coisa tão óbvia mas juro que na minha cabeça ainda não é.

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  8. angela, deve haver uma altura em que os pais sentem alívio por poder baixar os braços e não ter que parecer ter sempre tudo sob controlo. Deve ser cansativo.

    E pais e gadgets... Haha, a coisa mais engraçada que já me aconteceu foi a minha mãe meter o nosso (dela, pronto) cão a comunicar pelo Skype. A confusão do bicho por causa daquela voz éterea a chamar por ele! :D

    Agora isso de procurar transmissões live de missas é extremamente à frente, fiquei impressionada!

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  9. Já percebi que quando achar que tenho muitas certezas devo estar a ficar senil. Vou-me contentando em ter possibilidades de escolha e "vai correr tudo bem" (esta é a que me ajuda a dormir quando tenho insónias).

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  10. É, e nenhuma (ou mesmo quase nenhuma escolha) é irreversível.

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  11. O truque é esperar que corra tudo bem e dar o melhor para isso...até porque com um mundo tão grande, a bélgica não pode ser o melhor sitio do mundo...

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  12. Palavras tão acertadas sobre a Bélgica, Nada :D

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  13. S., não sei se vais para Londres tentar fazer o teu PhD sobre Feminismos. Se assim for, parabéns. Se não for, parabéns também porque a vida só faz sentido assim: arriscando e saindo da "zona de conforto". Seja qual for o desafio profissional/académico, que seja bom e bem-sucedido. É o que te desejo, porque me revejo (e muito) nessas angústias, nessas dúvidas, nesses medos, nessas interrogações... Cumprimentos, T.

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  14. T., obrigada! Voltarei à ilha para fazer um PhD relacionado com direitos das mulheres, sim, embora ainda não tenha a certeza da cidade(Londres é muito pouco provável). Será mais um mergulho no desconhecido mas é como dizes, só assim é que a vida faz sentido. Obrigada mais uma vez pelos votos de sucesso :)

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